Publicado em 21 de julho de 2002, no jornal Valor Econômico (Especial – Empresa&Comunidade), o artigo de Marcos Kisil* defende que a definição sobre a forma de doar e para que atividade ou projeto deve ser tão racional e planejada quanto na área financeira.
Em nosso trabalho de apoiar tecnicamente e capacitar empresas, famílias e indivíduos que querem se transformar em investidores sociais eficientes, temos detectado algumas dificuldades comuns. A primeira delas é pensar que a doação termina quando os recursos são enviados para as instituições que deles necessitam. Conhecer a entidade que recebe não é o mesmo que saber onde os recursos estão sendo aplicados. Simplesmente enviar o recurso a entidades é ter o comportamento de um doador. Saber em que o recurso foi empregado, e com que resultados, é o comportamento de um investidor social.
Existe uma demanda crescente por recursos. Indivíduos e empresas são “bombardeados” por diferentes pedidos para atender diferentes necessidades. Todos são aparentemente urgentes, e todos são meritórios. É comum o doador reagir então de maneira instintiva à solicitação. Dessa forma, os doadores acabam colaborando com entidades de forma casuística, pontual. Fazem doações diluídas, sem foco determinado, a grande número de organizações. O resultado é que o benefício social é pouco efetivo por estar diluído. O doador não consegue perceber os resultados e isso, mais tarde, pode servir de desestímulo a novas doações.
Outra dificuldade resulta da não avaliação das entidades para conhecer se elas têm capacidade técnica para utilizar, da forma mais eficiente possível, o recurso doado. Não estamos falando aqui de entidades que desviam dinheiro oriundo da filantropia – essas são casos de polícia. Estamos falando de entidade íntegras, dirigidas por pessoas honestas e verdadeiramente ligadas a uma causa, mas que muitas vezes não conseguem gerir o investimento da forma mais adequada.
A maior parte das organizações que recebem recursos são extremamente competentes em relação à causa. Não necessariamente têm a mesma competência quando o assunto é gestão. O investidor social corporativo ou individual deve pensar não apenas em ajudar a causa, mas também em apoiar a instituição beneficiada em sua performance gerencial. Assim, poderia estar protegendo o seu investimento, bem como ajudando outros possíveis investidores que se sentiriam mais seguros em doar para essas entidades.
Hoje, a tendência dos novos investidores sociais em todo o mundo é reservar um percentual da doação à qualificação da entidade: planejamento estratégico, gerência de projetos, captação de recursos, comunicação, entre outras. Aplicados corretamente, esses recursos podem ajudar não apenas a aumentar o benefício do dinheiro utilizado diretamente na causa, mas também a criar um círculo virtuoso de empreendedorismo social eficiente e eficaz.
Da mesma forma, é preciso avaliar corretamente o projeto que receberá a doação. As quatro qualidades básicas de um investimento financeiro são: liquidez, risco, prazo e taxa de retorno. De forma simplificada, podemos dizer que o investimento social estratégico também tem quatro qualidades básicas, em maior ou menor grau.
A primeira: ser catalisador. O investimento deve ser capaz de apressar um processo, permitir que os resultados sejam mais rápidos, por maior que seja o prazo do projeto – e projetos realmente transformadores costumam ser de longo prazo.
A segunda qualidade é a capacidade de provocar mudanças. Um bom exemplo de projeto que tem essa qualidade em seu mais alto grau é o Acelera Brasil, do Instituto Ayrton Senna. Os recursos foram aplicados em 15 municípios com o objetivo de desenvolver um modelo que pudesse acelerar a aprendizagem de jovens em idades e séries defasadas. Este modelo, que evitou que dezenas desses jovens desistissem de ir à escola, acabou por influenciar políticas públicas e já está sendo replicado em vários estados.
A terceira qualidade é o poder de inovação, que pode ser traduzido por propor um olhar e uma solução diferentes para um problema antigo, que ninguém conseguiu resolver. Embora os projetos mais inovadores tenham as maiores taxas de risco, podem trazer também altas taxas de retorno. Há instituições financiadoras, como a Fundação W. K. Kellogg, dos EUA, que se dedicam a apoiar projetos que têm como principal característica a inovação.
A última qualidade é a capacidade de alavancagem. O investimento pode ajudar a trazer mais investidores, criando uma rede de filantropia forte e crescente. Um bom exemplo é a Fundação Acesita, que financia vários projetos, mas sempre procurando parcerias com outros investidores sociais. A solidez do trabalho da fundação ajuda a sensibilizar e atrair novos investidores sociais, aumentando o bolo da filantropia no país.
Finalmente, é preciso medir a taxa de retorno do investimento social, ou seja, o benefício social resultante do investimento, em termos quantitativos e qualitativos. Alguns exemplos representam o aumento de crianças em escolas, ou mães atendidas em pré-natal, ou jovens que receberam educação profissionalizante. Mas o benefício também pode ser entendido como a melhora da qualidade de vida. Um bom exemplo desse indicador é o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), parâmetro utilizado pelas Nações Unidas para medir o desenvolvimento de uma sociedade através de um indicador composto por indicadores econômicos, educacionais e de saúde.
O investidor social tem condições de tomar suas decisões em termos do risco e de beneficio social resultante. Para tanto deve se cercar de informações e de profissionais que possam orientá-lo. São as mesmas atitudes que toma para o investimento financeiro.
*Marcos Kisil é presidente do Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social (IDIS), São Paulo, Brasil. E-mail para contato:mkisil@idis.org.br