O artigo trata sobre a importância do uso do edital de seleção como ferramenta transparente e pública para escolha de projetos socioambientais que atendam ao interesse do investidor social. O texto é assinado pela equipe de colaboradores do IDIS: Carla Cabrera, Mirza Laranja e Tatiana Akabane van Eyll, gerentes de Projeto.
Já faz algum tempo que as empresas que realizam investimento social corporativo estão mudando de postura em relação à sua prática. Trata-se de um novo paradigma: a troca do modelo de filantropia tradicional para o modelo de investimento social. Nesse novo contexto, a companhia passa a atuar como um financiador que visa a formar parcerias eficientes para atender a uma causa social. Uma das ferramentas para atingir essa meta é o uso do edital de seleção para financiamento de projetos.
No modelo tradicional, ao fazer doação de recursos, uma empresa reage pontualmente a demandas externas. Atua de forma assistencialista e paternalista, atendendo ao interesse de uma só parte, o que pode gerar uma relação de dependência. Embora tenha boas intenções, seu investimento não garante transformação social. Para isso realmente acontecer, o investimento social privado depende de pesquisa focada, planejamento criativo, estratégias predefinidas, execução cuidadosa e monitoramento dos seus resultados. A alocação não se resume apenas a dinheiro, inclui recursos humanos, técnicos e gerenciais para o bem público.
A escolha de atuação da empresa é definida segundo seu objetivo, recursos disponíveis e contexto:
- Doadora: coloca recursos segundo a demanda de instituições sociais responsáveis pelo planejamento e execução de projetos próprios
- Empreendedora: doa ativamente a organizações que executam projetos e ideias propostas pela empresa
- Operadora: elabora e executa iniciativas por ela desenvolvidas
- Financiadora: investe recursos tanto de forma ativa quanto reativa a instituições sociais responsáveis pelo planejamento e execução de projetos que sigam a sua linha de interesse.
Em sua estratégia, a empresa pode combinar diferentes modelos de atuação, criando soluções que se mostrem viáveis e eficazes, na busca dos objetivos propostos. Para atuar como financiador, são necessárias algumas competências técnicas, como:
- identificação de oportunidades estratégicas de investimento social
- escolha de parceiros competentes para o desenvolvimento e implementação de propostas
- análise e seleção de propostas
- monitoramento e mensuração de resultados
Uma ferramenta muito eficiente para financiar propostas que atendam ao interesse do investidor social é utilizar o edital público. O edital exige um planejamento cuidadoso de todas as etapas do financiamento que, por sua vez, ajudará na elaboração e na implementação de um processo que minimiza riscos e potencializa os recursos.
No planejamento, a empresa:
- define seu foco de investimento
- cria critérios de seleção das propostas
- propõe diretrizes para as propostas
- aponta os pré-requisitos necessários para a organização executora
- demonstra suas expectativas de resultado e impacto com base em indicadores pré-selecionados
- torna explícitos quais serão os processos de monitoramento e avaliação
No documento do edital, a companhia também define modelos, roteiros, questionários e formulários, explicando como deve ser apresentado o planejamento, o orçamento e a prestação de contas. Ao torná-lo público, as organizações interessadas enviam as propostas para o financiador, que as analisará e selecionará conforme a maior proximidade das diretrizes e critérios estabelecidos no edital.
Para as corporações, o uso do edital de seleção traz os seguintes benefícios:
- Compartilhamento e publicidade da estratégia de investimento social
- Transparência na atuação
- Criação de banco de dados de organizações sociais que atuam em sua área de interesse
- Acesso a iniciativas e ideias inovadoras
- Facilidade na análise dos projetos, uma vez que a estrutura geral para a apresentação das propostas é definida pela empresa no edital
- Conhecimento mais profundo dos projetos e das organizações sociais com quem estabelece parceria, favorecendo alianças de qualidade e sustentáveis
- Mais exatidão no monitoramento dos projetos e mensuração dos resultados do investimento
- Contribuição para o desenvolvimento das instituições sociais envolvidas na seleção
Como se pode perceber, a seleção por meio de edital é um processo que deve ser cuidadosamente planejado, requer disciplina para cumprir adequadamente todas as etapas, além de comunicação clara e eficiente. O esforço traz bons resultados. Foi o que aconteceu com a Nestlé Brasil. Utilizar o edital permitiu à multinacional suíça selecionar de forma pública projetos que estão de acordo com a sua estratégia de atuação social, baseada na nutrição, na saúde e no bem-estar. Desde 1999, a Fundação Nestlé Brasil, braço social da empresa, desenvolve o Programa Nutrir, que leva educação alimentar e incentiva a prática esportiva entre crianças e adolescentes de 4 a 18 anos, moradores de comunidades de baixa renda em todo o país, contribuindo no combate à desnutrição e à obesidade.
Em dez anos, o Programa Nutrir estabeleceu parcerias com organizações sociais, escolas públicas e prefeituras, no intuito de fazer a educação alimentar tornar-se parte da vida dessas crianças. Com a promoção“Nestlé Torce Por Você”, pela primeira vez, selecionou dez propostas de forma pública, com critérios claros, transparentes e num processo que organizações sociais de todo Brasil puderam participar. Cada um dos dez projetos escolhidos recebeu 70 mil reais para a execução. A seleção aconteceu em 2008.
O Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social (IDIS) apoiou a Fundação na elaboração do texto do edital, na concepção e desenvolvimento dos modelos do processo de monitoramento dos projetos e realizou a oficina para ajustes nas propostas selecionadas. O Instituto ainda foi responsável por alinhar o contrato, os procedimentos de repasses de recursos e o processo de monitoramento entre a Fundação e as organizações sociais.
Para a Fundação Nestlé Brasil, o grande salto foi conseguir comparar propostas, mobilizar as instituições sociais a apresentar projetos que estivessem alinhados com a sua missão e poder incentivar a troca de experiências entre proposições tão similares que buscam atingir, de certa forma em conjunto, um bem maior.