Mesmo trágica, a morte ainda dá uma última oportunidade de fazer o bem: o legado – parte da herança que pode ser destinada, por meio de testamento, da forma que o indivíduo achar melhor. A prática de deixar os recursos para alguma organização da sociedade civil (OSCs) é comum em alguns países desenvolvidos, mas pouco difundida por aqui.
“Na Inglaterra, tem crescido a captação de recursos por meio do legado, já no Brasil não existem muitas experiências”, disse o gestor de captação de recursos da ActionAid, Bruno Benjamim, durante a palestra “Captação de recursos via legado: é possível?”. O debate foi organizado pela ABCR – Associação Brasileira de Captadores de Recursos durante a ONG Brasil, evento de responsabilidade social que aconteceu na Expo Center Norte, em São Paulo, entre 28 e 30 de novembro.
Apenas em 2011, a doação via legado chegou a £ 1,1 bilhão no Reino Unido, segundo a Charities Aid Foundation (CAF). A própria ActionAid, entidade britânica de combate à pobreza presente em várias nações, capta parte de seus recursos dessa maneira, segundo Benjamim. E não só na Inglaterra, mas também na Itália, Holanda e Austrália. “No Brasil, já fomos procurados por dois doadores, mas não sabemos como agir, estamos consultando nosso corpo jurídico”, disse Benjamim.
A questão no Brasil ainda é anterior ao financiamento pelo legado. “A grande dificuldade das OSCs é conseguir doadores”, afirmou o especialista em arrecadação de recursos e fundador do Instituto Doar, Marcelo Estraviz. Ele apresentou uma pirâmide de como se constrói a relação com doadores: começa com doações esporádicas e tem, no topo, a doação do legado.
O tempo, portanto, é um fator fundamental para que uma pessoa deixe a uma OSC parte de sua herança. “Depois de uma relação de cinco, dez anos, começa a se falar de legado”, disse Estraviz: “Na Espanha, assim como no Brasil, não existe uma cultura de escrever testamentos, mas eles estão fazendo campanhas para que as pessoas escrevam e deixem legados”.
Outro fator que atrai doações de herança, principalmente na área da saúde, é o envolvimento pessoal com a causa. Isso, segundo Benjamim, é o que justifica a organização britânica Cancer Research UK ter recebido, em 2011, legados num valor total de £ 148,9 milhões (mais de 500 milhões de reais). No mesmo ano, outra instituição da área de saúde também levantou cifras milionárias com legado: o British Heart Foundation recebeu £ 54,9 milhões (190 milhões de reais) . “As pessoas que doam têm alguma relação familiar com a causa, por isso, saúde leva muito”, apontou.
Toda essa fortuna, no entanto, não vem de uma postura passiva dessas organizações. “A Cancer Research UK gastou £ 7 milhões (R$ 25 mi) em campanhas”, ressaltou o representante da ActionAid.
O Brasil, com 165 mil milionários, segundo a Forbes, tem grande potencial para crescer na arrecadação de legados, na avaliação de Benjamim. Muitas Santas Casas no país receberam, durante sua história, patrimônios deixados por pessoas no testamento – o que mostra o padrão de doar para a área de saúde também tem força por aqui.
A legislação brasileira permite que se deixe para a posteridade 50% da herança – a outra metade tem de ser, obrigatoriamente, distribuída para os herdeiros que a lei determina (geralmente, filhos e cônjuges).