A sustentabilidade financeira das organizações da sociedade civil (OSCs) é um dos temas mais urgentes do setor, em que os recursos quase sempre vão para projetos, não para manter a estrutura das entidades. A situação é mais grave entre as instituições de defesa de direitos, mais dependentes de recursos internacionais que estão minguando nos últimos anos. “Elas foram muito importantes na redemocratização, mas são as que mais estão sofrendo com mudanças na estrutura do financiamento no Brasil”, disse o consultor Domingos Armani, moderador da mesa “O que a sustentabilidade das organizações da sociedade civil tem a ver com o Investimento Social” – que ocorreu durante o 8º Congresso do Gife, em São Paulo, entre 19 e 21 de março.
“Não houve substituição do financiamento externo pelo investimento social brasileiro, salvo algumas exceções”, concordou outra debatedora, a diretora-executiva do IDIS, Paula Fabiani. A questão ganha contornos mais dramáticos quando se lembra que, como destacou Paula, nos últimos anos houve uma geração enorme de recursos no Brasil, em razão da expansão da economia.
Apenas uma pequena parte do investimento social privado vai para esse grupo de causas. “Essas organizações tratam de temas mais conflitivos, com os quais as empresas nem sempre têm facilidade de lidar – ainda mais por não ser fácil separar sua imagem da causa que apoiam”, comentou a diretora-executiva da Abong, Vera Masagão, também presente na mesa. Mas ela ponderou que às vezes o problema está no lado inverso: “OSCs têm preconceito contra empresas, achando que teriam de mudar sua causa” para obter os recursos.
Armani ressaltou que, por vezes, nem mesmo a opinião pública está do lado das organizações de defesa de direitos. “É difícil defender abertamente esses temas, assim como é difícil ao investimento social privado apoiar essas entidades.” Por isso, elas têm um trabalho mais agudo de “persuadir financiadores de que a defesa de direitos é fundamental para a democracia”. Paula citou alguns casos (raros) de apoio a esse tema no Brasil: Fundação Ford, Instituto Avon e o investimento social da família Lafer.
Desconfiança
Apesar de as organizações de defesa de direitos nem sempre contarem com a simpatia da opinião pública, a desconfiança não recai só sobre elas. “No mundo inteiro, a pesquisa Trust Barometer aponta que as OSCs são as instituições mais confiáveis; no Brasil, elas estão apenas em terceiro lugar, à frente apenas do governo, e atrás da mídia e das empresas”, apontou Vera. “Isso é reflexo de uma sociedade que não acredita em sua capacidade de se mobilizar em prol do interesse público”.
Paula também ressaltou a “falta de confiança nas OSCs” e lembrou que o IDIS faz um processo de validação de organizações para dar mais segurança a quem tem recursos para doar. “O investidor que pode financiar a infraestrutura das entidades não está fazendo isso”, constatou. Ela ainda lembrou que os investidores acabam preferindo operar suas iniciativas a apoiarem organizações “mais próximas de beneficiários e de problemas”.
Uma exceção é o Instituto C&A, cujo diretor-executivo, Paulo Castro, também participou do debate. A estratégia é lidar diretamente com as entidades. “Nós apoiamos organizações para que tenham êxito em sua missão de transformar o contexto social”, declarou. O instituto – ligada à gigante do varejo C&A, mas sem compromisso em se alinhar com os negócios da empresa – tem se notabilizado por financiar outras entidades e buscar iniciativas que fortaleçam o setor.
“Nós estamos falando sobre o fortalecimento da democracia brasileira, e uma sociedade civil vibrante requer organizações fortes para a promoção do interesse público”, concluiu Castro.