No começo de fevereiro, a Secretaria-Geral da Presidência recebeu uma proposta de projeto de lei para regulamentar a criação e o funcionamento dos fundos patrimoniais. Já há organizações da sociedade civil que usam esta forma de financiamento, mas o instrumento ainda não é regulamentado. “Um dos grandes objetivos de ter uma legislação é aumentar a segurança do modelo. A partir do momento em que há reconhecimento de quais são os critérios mínimos para ser reconhecido, passa a ter a possibilidade de atribuir incentivos fiscais”, explica, em entrevista ao site do IDIS, o advogado Felipe Sotto-Maior, fundador da Verius (anteriormente chamada Endowments do Brasil), que auxilia entidades que queiram criar um fundo.
A proposta difere de um projeto de lei que circula no Congresso, o4.643/2012, da deputada Bruna Furlan (PSDB-SP), que regulamenta a criação de fundos patrimoniais apenas em instituições de ensino e pesquisa. “A proposta de projeto substitutivo prevê uma ampliação grande do escopo. Não tem por que abraçar a causa do fundo patrimonial para cobrir um nicho tão pequeno de instituições”, justifica Sotto-Maior, que participou do grupo de trabalho multidisciplinar que elaborou a nova proposta normativa, liderado pelo IDIS junto com a própria Endowments do Brasil.
O especialista falou também sobre experiências do exterior, discorreu sobre os próximos passos para a proposta. “O momento parece bastante propício e o governo parece bastante interessado.”
IDIS: De onde foi tirado o desenho da proposta?
Felipe Sotto-Maior: A base inicial é o estudo de casos do exterior. Vínhamos estudando isso por causa de projetos que já existem no Brasil. Havia uma bagagem. Este projeto de lei é o produto de um grupo de estudos para o qual a gente abriu convite. Montamos o grupo com diversas instituições, advogados, economistas, gente que trabalha no governo, curadores de fundações. Passamos a discutir em cima do projeto de lei que já existia e com base no conhecimento que cada um trazia do seu trabalho.
IDIS: Já existem fundos patrimoniais no Brasil, mas não existe a figura jurídica?
Felipe Sotto-Maior: Exatamente, não tem nada que proíba. Algumas instituições saem na frente fazendo. Mas também não tem nenhum incentivo e nenhuma lei que reconheça esse formato como sendo uma figura jurídica específica.
IDIS: Considerando que não é proibido, o que a lei traz para quem já tem um fundo ou quer formar um?
Felipe Sotto-Maior: Um dos grandes objetivos de ter uma legislação é aumentar a segurança do modelo. Você padroniza um pouco, mas aumenta a segurança, porque há um reconhecimento de o que é aquilo, em vez de trabalhar com figuras adaptadas. Hoje, você adapta o regimento de uma fundação ou de uma associação, mas não tem nenhum reconhecimento pelo governo, por exemplo, de que aquilo é um fundo patrimonial. O governo enxerga uma fundação, uma associação. Por outro lado, a partir do momento em que há reconhecimento de quais são os critérios mínimos para ser reconhecido, passa a ter a possibilidade de atribuir incentivos fiscais tanto para o doador que contribui para os fundos quanto para o próprio fundo em si ou para a entidade que o mantém. Quando a gente está falando de dinheiro investido em longuíssimo prazo, o imposto de renda periódico, por exemplo, faz uma diferença enorme se não for cobrado.
IDIS: A questão dos incentivos fiscais está prevista na proposta?
Felipe Sotto-Maior: Já está prevista até onde a gente conseguiu. Um dos impostos que gostaríamos de isentar seria o imposto sobre doações, que é estadual. A proposta, como é uma lei federal, não tem como alcançar isso. Mas já previmos os impostos federais que consideramos adequados para ter incentivo ou isenção. Colocamos incentivo no imposto de renda do doador e, se possível, a isenção no imposto de renda da instituição, ou pelo menos no fundo. Tudo isso são sugestões, vamos ver o que vai passar efetivamente no Congresso.
IDIS: O que vocês avançaram em relação ao projeto que já existia?
Felipe Sotto-Maior: A principal diferença é a mudança de escopo. Era muito restrito, e a proposta de projeto substitutivo prevê uma ampliação grande. Até por não ser uma coisa proibida, que já vem sendo feita não só em instituições federais de ensino superior, mas em diversas associações e fundações, não tem por que abraçar a causa do fundo patrimonial agora, dar-se o trabalho de passar isso pelo nosso processo legislativo, para cobrir um nicho e um subgrupo tão pequeno de instituições. Então, o principal objetivo é que, se todo mundo já pode fazer, vamos reconhecer os critérios mínimos, os modelos de todo mundo, e não só os das instituições federais de ensino superior.
IDIS: Quais são os próximos passos?
Felipe Sotto-Maior: O IDIS está organizando um grupo de filantropos de apoio ao projeto de lei, que poderia fazer contribuições significativas para fundos patrimoniais e gostaria de ter um reconhecimento legal do modelo antes de fazer isso. Alguns são pessoas que já estão fazendo, independentemente da lei, e outras são pessoas que gostariam de fazer. A gente está reunindo esse grupo justamente para legitimar o projeto, para se encontrar com o Ministro Gilberto Carvalho para mostrar que existe apoio da sociedade. Precisa achar alguém agora para propor o substitutivo, e então fazer o advocacy, acompanhar a evolução.
IDIS: Vocês já fizeram algum tipo de mapeamento para saber quem poderia ser essa pessoa para propor o projeto de lei?
Felipe Sotto-Maior: Tem algumas sugestões. A gente começou, dentro do próprio grupo, vendo quem conhecia a agenda de deputados, porém, é mais o IDIS que está à frente desse processo agora. Até a última conversa antes do Carnaval, não havia um nome definido, apenas algumas ideias.
IDIS: Qual a expectativa com a criação de fundos patrimoniais?
Felipe Sotto-Maior: A expectativa é que num momento inicial aumente a disponibilidade por ser um modelo novo, uma forma historicamente reconhecida como eficiente para se deixar um legado na instituição, para fazer um legado perene na instituição. No longo prazo, a expectativa é que isso ajude as instituições a serem menos vulneráveis a ciclos de abundância e carência de doação. Se a instituição tem vários sustentáculos, várias pernas para ficar em pé, essa pode ser uma perna nova. Sempre que uma delas encurtar, você tem mais um ponto de apoio para não cair. Passa a ser uma fonte de financiamento nova e própria, a instituição consegue ter um fundo desses com dinheiro próprio – recebido em doação, mas que passa a ser próprio. Ela passa a ter um pouco mais de autonomia.
A gente cita muito o caso da França, porque o ordenamento jurídico de lá é muito semelhante ao nosso e a situação era muito semelhante à nossa. Não tinha endowment, havia associações e fundações, igual ao Brasil. Em 2008, eles aprovaram uma lei que passou a prever o modelo de endowment como uma figura independente, intermediária, em termos de estrutura jurídica, entre a fundação e a associação. Um dos grandes apoiadores desse movimento foi o próprio governo federal, com o intuito de criar um endowment para o Louvre, que é um grande sugador de dinheiro público. A ideia é que esse fundo ajude a aumentar a capacidade do Louvre de, ao longo dos anos, se sustentar cada vez mais sozinho e depender menos de dinheiro público. Era de interesse do governo passar isso lá, e acredito que está sendo visto pelo nosso governo como um projeto que é um esforço agora para um benefício a prazo.
IDIS: O governo federal foi receptivo à proposta de projeto de lei?
Felipe Sotto-Maior: O momento parece ótimo para avançar a proposta. Inclusive, o governo vem, há alguns anos, estudando o marco legal do terceiro setor, com apoio da sociedade civil. Tem um grupo de trabalho forte para isso. A questão da sustentabilidade e do financiamento são dois temas importantes no grupo, e que estão juntos dentro dos fundos patrimoniais. Quando a gente finalmente chegou a apresentar isso para a Lais de Figueiredo Lopes, que é assessora especial da Casa Civil, ela se mostrou muito interessada no projeto, muito a fim de levar isso para frente. Parece que o ministro-chefe Gilberto Carvalho já se mostrou interessado em fazer esse tema avançar. O momento parece bastante propício e o governo parece bastante interessado em fazer isso.