O que o sistema nacional de atendimento de emergência dos Estados Unidos – o 911 tão falado nos filmes – e um dos primeiros laboratórios de pesquisa sobre Aids têm em comum? Ambos foram criados com financiamento de recursos filantrópicos. O espírito de inovação por trás desses investimentos, no entanto, parece ter ficado no passado: hoje os filantropos procuram direcionar seus recursos para ações seguras. O desafio é fazer com que parte desse dinheiro volte para projetos mais arriscados, mas com grande capacidade de mudança.
Dois membros do Monitor Institute, iniciativa da consultoria Deloitte, mergulharam fundo nesta questão em um artigo no site da Stanford Social Innovation Review. Gabriel Kasper e Justin Marcoux diagnosticaram o problema, mostraram possíveis soluções para que a filantropia retome seu caráter inovador e abordaram um projeto lançado para recolocar o tema na agenda do investimento social privado.
Para os autores, a radicalização da filantropia estratégica fez com que os investidores procurassem projetos com resultados cada vez mais certos e mensuráveis. “Os financiadores estão às vezes tratando os financiados como empregados, pagos apenas para executar planos pré-definidos”, escrevem. Com isso, os temas complexos são deixados de lado.
O artigo usa um dos cases de maior sucesso nos últimos anos como exemplo: as redes ou véus protetores de cama, distribuídos na África para diminuir a incidência de malária ao afastar o mosquito transmissor. É uma iniciativa muito barata e de retorno quase imediato. Mas, aponta o texto, a Fundação Bill & Melinda Gates está buscando uma solução mais radical e definitiva: uma alteração genética para que os mosquitos não transmitam a doença. É um projeto arriscado e de resultado incerto, mas, se bem-sucedido, terá resultados de grande impacto.
Uma frase citada pelos autores, do ex-diretor da Agência de Projetos de Pesquisas Avançadas do Departamento de Energia dos Estados Unidos, Eric Toone, representa bem o que está em jogo: “Quando se faz inovação, a primeira questão não é ‘isso vai funcionar?’, mas sim ‘faria diferença se isso funcionasse?’”. Kasper e Marcoux explicam: “Financiadores da inovação trocam a probabilidade de sucesso por um potencial maior de impacto”.
A questão toda passa por uma redefinição da ideia de risco. Para os autores, tanto as empresas quanto o governo têm pouca margem para arriscar-se: os primeiros por deverem explicações a seus acionistas; os segundos, a seus eleitores. Em comparação, investidores sociais têm “discrição extraordinária para experimentar e tentar coisas novas”.
Kasper e Marcoux descrevem em detalhes cinco passos, citando exemplos, para que o investimento social privado possa reencontrar o caminho da inovação: achar novas soluções; selecionar aquelas com maior potencial de transformação; apoiar as selecionadas; medir o impacto; dar escala ao projeto.
O objetivo da inovação, no entanto, não deve ser seguido cegamente. Assim, escrevem os autores, “em questões nas quais já existam soluções funcionando, às vezes é mais importante colocar foco na escala e melhora de abordagens já conhecidas do que experimentar novas abordagens”. Ou seja, não se deve abandonar o que já existe para buscar algo inovador. A rede que afasta o mosquito deve conviver com o projeto para alterar a genética do inseto.
Até por isso, notam Kasper e Marcoux, a inovação não é uma alternativa à filantropia estratégica. “Ao contrário, financiar a inovação é parte da filantropia estratégica.” Ou seja, apenas uma parte dos recursos deve ser destinada à inovação, mantendo o resto em ações comprovadas e seguras.
Cabe a cada organização, portanto, encontrar o equilíbrio entre a quantidade de recursos para financiar inovação e para manter atividades já estabelecidas. E, como concluem os autores, “abraçar a exploração, a experimentação e o risco pode, na verdade, ajudar a filantropia estratégica a encontrar o equilíbrio correto e fazer um trabalho ainda melhor no tratamento dos problemas sociais mais urgentes do mundo”.