Como desenvolver um código de conduta baseado em valores de sustentabilidade? Beno Reicher, que atua em projetos corporativos no IDIS, discute ética corporativa, tema de debate entre o filósofo e educador Mário Sérgio Cortella, o chefe executivo do Pacto Global da Organização das Nações Unidas (ONU), George Kell, e o presidente da AccountAbility, Simon Zadek, durante a última edição da Conferência Ethos.
Guiada por uma série de princípios, a ética é resultado de uma construção coletiva consciente e inconsciente que estabelece os parâmetros de todas as relações humanas. Nas últimas décadas, o desenvolvimento de um conjunto de valores sustentáveis coloca o homem responsável por seu lugar no mundo, mas ainda exige processos de mudanças mais profundos.
A apropriação desta percepção pelas empresas inaugurou o movimento de responsabilidade social corporativa, que estabelece critérios alinhados ao desenvolvimento sustentável para toda a cadeia de negócios. A função desempenhada é mesma do antigo condutor da biga dos imperadores romanos que retornavam vitoriosos de uma batalha. A cada 500 jardas de desfile de comemoração pela cidade, o motorista sussurrava no ouvido do imperador: lembra-te que és mortal!
A mortalidade ratifica a idéia de que nossas ações devem ter limites. Neste sentido, Mário Sérgio Cortella, filósofo, mestre e doutor em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), defende que o valor ético fundamental para a disseminação da sustentabilidade é a humildade, ou seja, a adoção da postura de que não temos o planeta como direito. Ao adotarmos esta postura de cuidado, de proteção, de zelo, a vida fica mais engraçada. Graça, do latim gratia e do grego charis, significa proteção, vitalidade.
A humildade também parece ser um valor importante na prática do investimento social privado, como manifestação da sustentabilidade corporativa. Somente com este valor as empresas podem destinar voluntariamente recursos de seu orçamento para promover benefícios públicos.
Cortella completa que cada cultura possui uma relação própria com a sustentabilidade baseada, por exemplo, na percepção do tempo. Ele exemplifica com a decisão dos chineses de comprar 400 pianos para assegurar que o país tenha os melhores pianistas do mundo em 2100. “Para os brasileiros, médio prazo é o mês seguinte”, comparou.
Já dirigente do Pacto Global da ONU George Kell relativizou a opinião de Cortella. Segundo ele, embora com origens diferentes, os povos convergem no desejo de paz e cooperação. Essa postura viabilizou a criação da Organização das Nações Unidas e a Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Kell reforçou a discussão sobre o posicionamento das empresas ao defender que os aspectos ambientais e sociais passem a pautar, de fato, as regras do mercado. Para tanto, é preciso conectar os novos valores às lógicas já estabelecidas. Além disso, argumentou que as organizações são resultado das experiências e das escolhas das pessoas que as compõem.
Um bom exemplo desta relação foi a mudança que Ray Anderson realizou, a partir de 1994, na Interface Inc., empresa de origem britânica líder mundial em produção de tapetes e carpetes. Anderson conta que a empresa, então com 21 anos e 35 unidades espalhadas pelo mundo, passou por um processo de reinvenção da maioria de seus processos.
Segundo o chairman, o sucesso econômico ignorava dados como os que acusavam que a empresa consumia, anualmente, a energia necessária para iluminar e aquecer uma cidade; ou que apenas uma de suas fábricas despejava, por dia, seis toneladas de sobras de carpete nos aterros da região.
A mudança ocorreu quando Anderson leu A Ecologia do Comércio, de Paul Hawken, que alertava sobre a devastação dos recursos naturais causada pela indústria. Além de redefinir seus hábitos pessoais (o empresário possui uma casa que funciona 100% com energia solar), ele transformou toda a cadeia produtiva da Interface.
O primeiro passo foi substituir a matéria-prima, quase toda derivada de petróleo, por produtos recicláveis. Desenvolveu processos de monitoramento de emissão de gases, potencializou as iniciativas de eliminar resíduos e reduziu em 80% o volume de água utilizada para a fabricação de seus produtos. Como resultado, menos de 15 anos depois, a Interface está a 40% de atingir a meta de eliminar sua herança ecológica negativa.
Além do efeito positivo que a postura sustentável despertou no público (o valor das ações da empresa multiplicou por dez em quatro anos), a iniciativa teve vantagens competitivas objetivas. Anderson revela que a empresa economizou 372 milhões de dólares ao cortar desperdícios durante 13 anos.