Governos de vários países têm limitado a influência das organizações da sociedade civil sobre as políticas públicas. Um dos argumentos é de que o advocacy minaria a democracia, pois as entidades não respondem aos eleitores e, por isso, não teriam legitimidade para negociar com representantes eleitos. Na verdade, porém, a ação das OSCs tem exatamente o efeito contrário: ajuda a fortalecer o sistema democrático, principalmente como instrumento de voz para minorias.
Este é o argumento que o especialista em políticas internacionais Adam Pickering, da britânica Charities Aid Foundation, desenvolve no artigo “Is advocacy and campaigning by not-for-profits undemocratic?”. O texto, publicado no site do Future World Giving – iniciativa da CAF que mapeia oportunidades de fortalecimento do investimento social privado nos próximos anos –, repercute uma pesquisa que demonstrou justamente o avanço de medidas para cercear a ação das OSCs.
Pickering escreve que, ao contrário dos argumentos de vários governos, a atividade de organizações da sociedade civil não é algo novo nem inconsistente com a democracia. Ele lembra diversas campanhas humanitárias, inclusive internacionais, que ocorreram no século XIX, como as que lutaram pela abolição da escravatura. Ou seja, mesmo o fenômeno das organizações de alcance mundial está longe de ser um fruto exclusivo da globalização das últimas décadas.
O autor escreve ainda que, ao contrário de ser uma ameaça à democracia, as OSCs são um fruto deste sistema. “Com o surgimento da esfera pública, desenvolveu-se uma mídia livre e crítica, bem como organizações sem fins lucrativos; por isso, é justo dizer que o advocacy destas últimas é mais responsável por criar do que por minar aquilo que pensamos ser um governo democrático”, defende.
O especialista ressalta que a democracia eleitoral, por ser naturalmente uma imposição da maioria, “não necessariamente representa os direitos e necessidades das minorias”. E acrescenta: “A sociedade civil e, particularmente, o advocacy das organizações sem fins lucrativos têm um papel vital na representação dos marginalizados e em contrabalancear a tirania da maioria”. Pickering rebate, então, a ideia de que estaria havendo uma transferência de poder dos governos para as organizações, como se “a relação entre ambos fosse de soma zero”.
Para o articulista, retomar o uso da palavra “política” ajudaria a melhorar a visão que se tem das OSCs. “Muitas vezes, o termo ‘atividade política’ é usado de maneira pejorativa, mas as organizações são, sempre foram e deveriam continuar a ser políticas”, afirma.
Ainda assim, o autor termina seu texto com uma nota realista, pedindo mais regulação sobre a partidarização das atividades das OSCs, pois “claramente, a situação na qual uma organização se engaja no apoio a partidos e candidatos é inconsistente com o que consideramos filantropia”.