A oxitocina é um hormônio considerado fundamental para a criação de laços familiares, como as relações maternais e maritais. Mas também está por trás de atos de doação, a ponto de se poder dizer que doar é como participar de uma “família sintética”.
É isso que mostra o professor de finanças da Texas Tech University, Russell James 3º, no texto “Brain studies and donor decision making: what do we know”, publicado na edição de inverno do periódico Advancing Philantropy, da Association of Fundraising Professionais (a associação norte-americana, canadense e mexicana de captadores de recursos, semelhante à tupiniquim ABCR).
O autor faz, no texto, um apanhado de várias pesquisas neurológicas que tentam explicar atos de caridade. Cita um estudo que usou injeções de oxitocina para mostrar que os mecanismos cerebrais por trás das conexões familiares são os mesmos ligados a atos de doação.
James 3º também menciona pesquisas segundo as quais o toque humano, seguido de um presente, aumenta a presença do oxitocina, também levando a uma maior propensão à doação. Não por acaso, apertos de mão, abraços e prêmios para doadores são técnicas muito usadas em eventos de arrecadação, sugere o texto.
“De uma perspectiva neural”, compara James 3º, “a doação é menos parecida com uma transação comercial e mais semelhante a compartilhar um jantar em família”. Ele ainda sugere: “O entendimento das relações entre um doador e uma organização como uma ‘família sintética’ pode indicar estratégias de captação”.
Nas doações via legado, ou seja, deixadas em testamento, imagens do cérebro feitas por ressonância magnética funcional indicam que o critério de escolha da organização beneficiada não costuma ser a eficiência, mas sim o quanto ela está relacionada com a história de vida do doador. Segundo o professor, esse tipo de ato é “como escrever o capítulo final de sua biografia”.
Outros estudos com imagens cerebrais apontam, no entanto, que deixar os recursos para amigos e familiares ativa mais fortemente áreas do cérebro relacionadas a memórias e emoções do que doar em testamento para organizações. Consequentemente, este último tipo é mais raro. James 3º vê nisso outra oportunidade de captação de recursos.
“Quando uma entidade consegue ligar sua causa a algum amigo ou familiar do doador, há um aumento substancial na possibilidade de receber uma doação via legado”, escreve. Pessoas com casos de câncer na família, por exemplo, seriam mais suscetíveis a deixar recursos para organizações que lidem com esse tema.
Outras descobertas
A primeira pesquisa a usar técnicas de análise cerebral para explicar comportamentos donativos foi publicada no Brasil em 2006, segundo James 3º, e mostrou que a decisão de doar ativava áreas de “recompensa” do cérebro. Mais ainda, indicou similaridades neurológicas entre os atos de dar e de receber dinheiro. “Da perspectiva da felicidade neural instantânea, doar pode ser na verdade uma grande aquisição para o doador”, afirma James, referindo-se ao prazer gerado pelo ato.
Um trabalho do Instituto de Tecnologia da Califórnia sugeriu que, embora o sentimento de realização seja o mesmo, tal sensação tem origens diferentes em cada caso. A doação ativa duas partes do cérebro: uma usada quando se toma a perspectiva de um terceiro pessoa, e a outra relacionada à capacidade de empatia. De certa forma, isso explicaria, segundo o autor, um efeito chamado de “vítima identificável”. “As pessoas tendem consistentemente a doar para beneficiar uma só e identificável vítima do que para milhares de pessoas.”
Há indícios, ainda, de que a doação mobiliza partes do cérebro relacionadas a ligações e reconhecimentos sociais. Até por isso, cientistas japoneses mostraram que os indivíduos sentem-se mais recompensados quando doam publicamente. “A caridade pode ser recompensadora, mas é mais ainda quando outras pessoas percebem o que você está fazendo”, resume James 3º.
Por fim, o professor afirma, após sintetizar uma série de pesquisas, que as novas técnicas de análises cerebrais podem ajudar arrecadadores de recursos. “Em vez de remover a ‘arte’ da captação de recursos, os achados científicos parecem reforçar a importância do lado mais humano das nossas interações”, diz James 3º, que conclui: “No fim, a ciência cerebral parece nos mostrar que a arrecadação é, acima de tudo, uma questão do coração”.