Uma experiência em andamento no sistema prisional inglês está chamando a atenção para um tipo inovador de financiamento para projetos sociais: os social impact bonds (SIBs), ou títulos financeiros de impacto social. Nesse sistema, investidores privados aportam dinheiro para uma iniciativa e, se ela for comprovadamente bem-sucedida, o poder público devolve o montante, acrescido de um valor pré-contratado. Com isso, o setor privado financia inovações sociais, e o governo premia os prestadores do serviço por economizar recursos públicos decorrentes do sucesso do projeto.
Como noticiado pela revista inglesa The Economist, a pequena cidade de Peterborough, na Inglaterra, é o marco inicial dessa modalidade ainda incipiente. Em 2010, foi lançado um projeto com duração de seis anos que busca diminuir a reincidência criminal. Trata-se, basicamente, de um amplo programa de acompanhamento de ex-detentos sob o nome de One Service, financiado por investidores privados.
Caso o projeto atinja as metas de declínio da reincidência, os investidores receberão do governo retornos financeiros sobre os recursos aplicados. Mas por que pagar além do que foi gasto? A ideia é que, ao reduzir o número de pessoas que voltam para trás das grades, o projeto reduz também as despesas públicas com o sistema prisional.
Uma das vantagens desse modelo é fornecer financiamento de longo prazo para o projeto, dando tempo para os investidores buscarem as melhores formas de atingir suas metas. Como aponta a diretora-executiva do Instituto de Cidadania Empresarial (ICE), Célia Cruz, “a prisão vai ter liberdade para eleger as melhores ações e liberdade para escolher modelos inovadores”.
A estratégia requer, portanto, um perfil muito específico de financiador. “Os investidores de impacto social são geralmente mais pacientes, diferentes daqueles que esperam retornos de curto prazo”, afirma o professor do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper) Sérgio Lazzarini, que tem se dedicado ao estudo do tema.
Outro fator fundamental é fazer uma ótima avaliação de impacto ao longo do tempo, para saber se as mudanças de fato estão ocorrendo em decorrência do projeto. “Os ingleses são muito bons em usar grupos de controle, e, por isso, conseguem provar que o projeto funciona”, diz Célia.
Os resultados em Peterborough têm se mostrado bons o suficiente para fazer o Reino Unido planejar estender o One Service para outros lugares, o que levanta um questionamento da The Economist: se o programa de reabilitação for universalizado, qual prisão servirá de grupo de controle para avaliar resultados?
No Brasil
Os títulos financeiros de impacto social são tão novos que, segundo levantamento da empresa especializada Instiglio, há apenas seis iniciativas em andamento no mundo: quatro na Inglaterra, uma nos Estados Unidos e uma na Austrália. No Brasil, existem apenas alguns estudos preliminares. “O ICE já pesquisou um pouco o assunto, assim como o Insper”, aponta Célia. “A discussão ainda é muito incipiente por aqui”, concorda Lazzarini.
A implantação do modelo no Brasil enfrenta barreiras. “Um projeto como o de Peterborough, por exemplo, não poderia ser implantado por aqui, pois não temos uma base de dados unificada do sistema prisional”, diz Célia. Ainda assim, ela aponta que essa é uma pauta que teria apelo no País. “Não é uma causa fácil de investir, mas muitos empresários ligados ao ICE, por exemplo, têm interesse na questão da segurança pública”.
Outro ponto é a pouca cultura de medição de impacto social. “Tem de ter metodologia para avaliar os resultados, para provar o sucesso do projeto”, aponta Célia.
Esse problema está sendo abordado pelo Insper. “Nós estamos criando um centro para análise de impacto social, pois é preciso medir quanto da mudança está relacionada ao projeto, e não a outros fatores”, conta Lazzarini.