Escrita por Marcos Kisil, diretor-presidente do IDIS, esta resenha do livro “Saí da Microsoft para Mudar o Mundo”, de John Wood, foi publicada originalmente na edição de agosto de 2006 da Revista Update, uma publicação mensal da Câmara Americana de Comércio.
Quando recebi a incumbência de fazer a revisão e crítica do livro Leaving Microsoft to Change the World, de John Wood, o amigo que fez o pedido disse: “Marcos, este livro é também sobre você”. E realmente ele tinha razão.
John é extremamente feliz ao abordar questões sérias que um executivo bem-sucedido enfrenta em uma empresa que a cada dia lhe ensina mais, lhe paga mais, lhe dá maior responsabilidade, lhe exige total dedicação, lhe consome todo o seu tempo, e finalmente assume total controle sobre a sua vida.
Após nove anos de uma carreira de sucesso profissional na Microsoft, John descobre, durante um trekking no Nepal, a realidade dura de crianças sem escolas, sem materiais de estudo, sem livros. Condição que faz do Nepal um dos países com pior taxa de analfabetismo do mundo (70% são analfabetos).
Tocado pela situação, e descobrindo como individualmente poderia mobilizar recursos a seu alcance através de parentes, amigos, colegas de trabalho, John descobre que haveria um outro sentido para a vida além de expandir os negócios da Microsoft.
Após um processo doloroso de examinar os prós e os contras, meditar sobre sua existência e existência de crianças que não têm acesso a escolas, sobre as oportunidades que teve e as mesmas oportunidades que são simplesmente negadas para crianças desenvolverem seus potenciais, olhar para dentro de si e descobrir o egoísmo com o qual normalmente buscamos o sucesso, John toma a difícil decisão de abandonar o emprego, e buscar um sentido maior para sua vida.
Porém, ao abandonar o emprego, se dá conta de que sua decisão é mal-recebida por sua companheira, por seus colegas de trabalho, por seu círculo de amizade. Afinal das contas estava abandonando o segundo posto da Microsoft na China, mercado em franca expansão, e ávido por consumir novas tecnologias.
Assim descobre que ao abandonar o emprego está também abandonando velhos hábitos, certos padrões de consumo, e entrando num novo mundo. Porém, tudo isto era necessário para que saísse em busca de seu Graal, uma organização que toma o nome de Room to Read.
E assim, John deixa o mundo corporativo e entra no mundo do Terceiro Setor, ou da sociedade civil organizada, onde cria uma organização com uma missão clara, necessária, e crucial para o desenvolvimento de crianças e jovens excluídos de seus direitos básicos de acesso à educação. Cria uma organização sem fins lucrativos, baseada no voluntariado de pessoas amigas, mas principalmente de pessoas desconhecidas, tocadas pela missão e proposta de trabalho da organização. E mais importante, sem recursos, dependendo única e exclusivamente em sua fase inicial dos recursos de John.
Aí, quando John deixa de ser o executivo de empresa para ser o empreendedor social é que se manifesta a importância dos anos que passou na Microsoft durante os anos 90, período excepcionalmente crítico para o sucesso da empresa. As lições aprendidas de Bill Gates e de diretivos da empresa para o sucesso do negócio são recapturados por John para fazer da Room to Read um empreendimento social com o mesmo sucesso.
John, de maneira fluida e perspicaz, consegue nos envolver em seus sonhos, dilemas, dificuldades, estratégias e vitórias para constituir uma organização vitoriosa que, em sete anos, doou mais de 1,2 milhão de livros, estabeleceu mais de 200 escolas, e ofereceu mais de 1.700 bolsas de estudo para meninas completarem sua educação. No total, influenciou a vida de 875.000 crianças em países da Ásia.
Se John soube desenvolver seus talentos nos anos de Microsoft e ser um executivo de sucesso, soube também usar esses talentos e experiências em benefício de um projeto altruísta, e de alto impacto.
Tive experiência similar. Sei dos desafios que representam deixar uma organização muita bem posicionada no mercado, e no imaginário das pessoas, para assumir o desafio de perseguir um sonho. E, por absoluta coincidência, no mesmo ano que John o fez. Também me sinto realizado e feliz.
Ainda não escrevi a minha estória. Quando tiver a oportunidade de fazê-lo espero ter o mesmo prazer que John demonstra ao escrever seu livro. Espero que também tenha a mesma capacidade de John em transmitir um fio de esperança para este mundo que se apresenta cada vez mais injusto, cada vez mais negando oportunidades para suas crianças e adolescentes.
Um fio de esperança… Isto é o que todo ser humano que teve o privilégio de aprender a ler e a escrever, estudar e ter emprego deveria colocar, para que cada fio pudesse tecer uma nova sociedade mais justa e sustentável.