A consultora e professora de avaliação de projetos sociais corporativos Maria Cecília Prates Rodrigues analisa o quanto pode ser frágil a metodologia de avaliar os projetos sociais corporativos sob a perspectiva do retorno financeiro, uma vez que os impactos nem sempre podem ser traduzidos em dados monetários confiáveis. Maria Cecília é autora dos livros Ação social das empresas: como avaliar resultados? (FGV, 2005) e Projetos sociais corporativos: como avaliar e tornar essa estratégia eficaz (Atlas, 2010).
Frequentemente vejo as empresas argumentarem que deveriam adotar para os seus projetos sociais a mesma lógica de avaliação utilizada em seus projetos econômicos. Essa lógica baseia-se no fluxo de caixa entre receitas e despesas.
A justificativa para o argumento estaria na objetividade do critério custo-benefício (retorno econômico) que, ao monetizar os impactos sociais, ou benefícios, do projeto e compará-los a seus custos, possibilitaria uma análise sem subjetivismos e “sem paixões”. Uma razão bem ao gosto do setor privado e dos potenciais investidores sociais.
Particularmente, não defendo essa abordagem por um motivo essencial: em projetos sociais, o uso do critério de eficiência, baseado na análise do custo-benefício, só é viável mediante a adoção de uma série de hipóteses. Evidentemente que se deve levar em consideração as experiências e o bom senso do avaliador. Mas há de se reconhecer que, por mais competente que ele seja, existem pressupostos estatisticamente “fortes” e com razoável margem de erro.
Assim, questiono o grau de confiabilidade da estimativa do retorno econômico, devido à sequência de hipóteses que são necessárias para o seu cálculo e a possibilidade de potencialização de erros em cadeia.
Isso pode ser ilustrado com um exemplo bastante simples. Imagine um projeto de reforço escolar para adolescentes que estão no Ensino Médio de uma escola pública, com dificuldade de aprendizagem. Numa avaliação do impacto social entre o público alvo, constatou-se que, em média, os jovens participantes tinham 12% a mais de chance de ingressar na universidade em relação àqueles que não participavam.
É sempre bom lembrar que estimativas como essas já estão sujeitas a alguns erros quase impossíveis de serem tratados estatisticamente. O principal é o fato de que as características dos adolescentes que compõem o “universo do experimento” são, de antemão, distintas daquelas do “universo do controle”. E, nesse caso, não há como julgar com margem de precisão razoável até que ponto foram as características individuais e/ou familiares do conjunto dos adolescentes participantes do projeto que, na realidade, explicaram a sua entrada na universidade – e não propriamente o projeto de reforço escolar, ao qual foi imputado efeito positivo de 12%.
Como se vê, as avaliações sociais de impacto já convivem com uma (primeira) hipótese metodologicamente “forte”: a de que se consegue controlar as diferenças do pré-projeto entre os grupos do experimento e de controle. Mas outros pressupostos ainda devem ser acrescidos para viabilizar a estimativa do retorno financeiro. Voltemos ao exemplo.
Custo-benefício
Baseado em pesquisas de âmbito nacional, a segunda hipótese trata da elevação da renda desses adolescentes que tiveram 12% a mais de chance de ingressar na universidade depois de passar pelo curso de reforço escolar. No Brasil de hoje, quem completa o Ensino Superior recebe, em média, rendimentos três vezes maior do que a pessoa que completa apenas o Ensino Médio.
Considerando que a região em que o projeto foi desenvolvido era relativamente pouco dinâmica, essa hipótese foi adaptada, supondo que o rendimento médio dos jovens com grau universitário seria duas vezes superior ao daqueles com o Ensino Médio. De antemão, não se pode esquecer também dos fatores limitadores desse pressuposto, pois o nível de escolaridade é apenas um dos aspectos que explicam os diferenciais de renda. Outros devem ser considerados, como as conjunturas local e setorial, a formação profissionalizante, as características individuais e as redes de contatos.
Para poder estimar o fluxo de caixa desse projeto social, outras duas suposições devem ser incluídas. A terceira diz respeito à trajetória do benefício: como se daria o recebimento da renda mais elevada por aqueles beneficiários do projeto que completaram a universidade? Para fins de estimativa, foi necessário admitir que isso ocorreria ao longo de toda a vida produtiva do participante, em torno de 35 anos.
Também aqui entram em cena os fatores limitadores de antes. Como garantir que aquele diferencial inicial de renda é capaz de se sustentar ao longo dos 35 anos? Sem falar que o poder de influência da ação social tende a perder força ao longo do tempo, frente a tantos outros fatores circunstanciais na vida das pessoas.
Se, por um lado, os ganhos de rendimento propiciados pelo projeto social estariam distribuídos em 35 anos, por outro, os seus custos de implantação e operacionalização ficaram concentrados na fase inicial, possivelmente nos seus primeiros dois anos. Portanto, para viabilizar a comparação entre as rendas e as despesas geradas, todos os valores foram deslocados para uma única data, de modo a estimar o Valor Presente Líquido (VLP) do projeto. Decorre daí a quarta hipótese, referente ao valor da taxa de desconto adotada (de 6% ao ano) para estimar o fluxo de caixa da ação social.
No exemplo em questão, a expectativa seria de que, ao final da análise, o VPL (ou o retorno econômico) do projeto social ficasse positivo, indicando que os benefícios gerados foram maiores do que os custos incorridos.
Se na análise o VPL ficasse negativo, a primeira medida cautelar dos especialistas seria a de rever os pressupostos adotados para a estimativa do retorno financeiro. Seria possível questionar:
- Os impactos sociais do projeto não foram devidamente quantificados (hipótese 1)?
- Os critérios adotados para a monetização dos impactos subestimaram os benefícios gerados (hipóteses 2 e 3)?
- A taxa de desconto utilizada foi mais elevada do que deveria, penalizando o balanço do projeto (hipótese 4)?
Já no caso de VPL positivo, não seria também o caso de questionar se as hipóteses adotadas não foram por demais generosas, “maquiando” o fluxo final de caixa do projeto?
Diante de todo esse quadro duvidoso, pergunta-se qual a alternativa de avaliação mais adequada. Defendo que, na avaliação de projetos sociais corporativos, o critério da eficácia – baseado na avaliação de impacto ou de outros métodos de aferição dos resultados – consegue propiciar uma visão bastante abrangente sobre as mudanças provocadas junto ao público alvo.
Vale lembrar que a análise de impacto, por si só, já pressupõe procedimentos estatísticos complexos e a adoção de hipóteses “fortes” para contornar os aspectos que podem causar confusão na identificação do impacto.
No exemplo, procurei mostrar que, quando se parte para avaliar o retorno financeiro do projeto com base no critério do custo-benefício, é preciso adotar tantas outras hipóteses para viabilizar a estimativa que, ao final, a margem de erro é muito grande. A confiabilidade na estimativa torna-se tão baixa que o avaliador chega a ganhar “carta branca” para revisar a cadeia dos pressupostos. O alegado argumento da objetividade do critério, então, cai por terra.
Por isso, na avaliação da eficiência dos projetos sociais corporativos – demanda bastante legítima das empresas e dos agentes financiadores –, sugiro a adoção do critério do custo-efetividade, por ser bem mais compatível com a lógica da avaliação social. Pois, nesse caso, não há a necessidade de monetizar os resultados sociais atingidos. O que é feito é comparar os custos unitários incorridos em projetos com objetivos finais e níveis de eficácia semelhantes. A possibilidade de erro torna-se muito menor.
Texto de exclusiva responsabilidade da autora. O Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social (IDIS) abre espaço para a pluralidade de ideias, mas as opiniões expostas não refletem, obrigatoriamente, o pensamento da instituição e de sua equipe.