Publicado originalmente na Rede GIFE online, o artigo de Célia Schlithler fala sobre resultados em projetos de investimento social privado. Para a assistente social especialista em formação de grupos e redes sociais, o processo de desenvolvimento desses projetos já é resultado. Leia o artigo completo.
Nem tudo o que conta é contável. Nem tudo o que é contável conta.
(Albert Einstein)
Célia Schlithler*
A preocupação com a demonstração de resultados é assunto recorrente em encontros de profissionais de empresas, institutos e fundações que fazem investimento social. O mesmo acontece quando Organizações da Sociedade Civil (OSCs), que têm projetos financiados por meio desses investimentos, estão reunidas.
É natural que todo investidor decida onde aplicar seus investimentos baseado nos resultados projetados. Do mesmo modo, a manutenção do investimento está diretamente relacionada aos resultados obtidos. Quando o objetivo de um investimento é o lucro, é fácil aferir os resultados, porque não há dúvida quanto ao que é esperado. Mas, e no caso do investimento social? Como expressar claramente quais são os resultados esperados?
Embora continuem bastante interessados em números, os investidores sociais já sabem que os resultados de projetos sociais nunca são apenas quantitativos. Por este motivo, a definição de indicadores também leva em conta os resultados qualitativos, com a ciência de que a verificação deste tipo de indicador sempre terá um componente subjetivo. O que, aliás, é bastante positivo, pois não se está mensurando a produtividade de robôs ou máquinas (e até eles são operados por seres humanos, o que interfere em seu desempenho).
É fato, também, que os projetos sociais prevêem avaliação ou monitoramento de processo. Entretanto, penso que o que todos nós precisamos entender é que o processo já é resultado.
Há dez anos trabalho com a formação de redes sociais, principalmente as redes de desenvolvimento comunitário, e constato freqüentemente que essa visão sobre o processo ainda não é compartilhada por inúmeras pessoas. As perguntas que me fazem sobre os resultados das redes sempre se referem ao que elas estão realizando e em benefício de quantas pessoas. Sem dúvida estas questões são importantes, pois é essencial que as redes sociais realizem ações colaborativas e projetos coletivos, definidas a partir da contribuição que trarão para o cumprimento dos objetivos da rede os quais, necessariamente, se referem a mudanças sociais.
No entanto, é preciso perceber que o processo de formação de uma rede já é um importantíssimo resultado! Conseguir reunir, e manter unidas, pessoas de diferentes organizações e setores em uma configuração horizontal, multiliderada, participativa e cooperativa é um resultado e tanto. A existência da rede em si provoca, por exemplo, mudanças na qualidade do diálogo entre moradores de uma comunidade e as empresas que dela fazem parte e, também, entre as OSCs e o setor público.
Em vez de reivindicações e, por que não dizer, exigências, decide-se coletivamente o que fazer diante de situações que afetam a todos. As forças existentes na comunidade são potencializadas por meio da união e articulação promovida pela rede. Por conseqüência, ações coletivas e mudanças em políticas públicas são efetivadas, o que poderia demorar anos pelos caminhos “tradicionais”.
Creio que esta mesma visão pode ser compatível com qualquer (bom) projeto social. Em projetos de geração de renda, por exemplo, o resultado no aumento da renda e o impacto na melhoria de qualidade de vida são, obviamente, sempre esperados. No entanto, quem já teve a oportunidade de conversar com moradores de uma comunidade, participantes deste tipo de iniciativa, sabe que raramente é disso que eles falam quando opinam sobre o projeto.
Seus depoimentos falam dos conhecimentos adquiridos, da união da comunidade, da auto-estima resgatada, mesmo quando ainda não houve aumento na renda. Esses resultados fazem parte do processo e são mudanças que permanecerão, pois ninguém poderá tirar o conhecimento adquirido por uma comunidade.
Os projetos de formação para o trabalho de jovens, que incluem a educação integral, também são um ótimo exemplo. Ao longo da formação, os jovens mudam de atitude, passam a ser mais participativos, repensam seus valores, amadurecem. A inserção no mercado de trabalho é apenas um dos resultados que virá depois.
Se considerarmos que o processo é resultado, a própria elaboração dos projetos pode ser mais criteriosa nas escolhas das estratégias e atividades que serão adotadas, de modo a contribuir para um processo muito mais rico para todos os envolvidos.
O Glossário Social do GIFE define impacto social como ”a transformação da realidade de uma comunidade ou região a partir de uma ação planejada, monitorada e avaliada”. E afirma que “só é possível dimensionar o impacto social se a avaliação de resultados detectar que o projeto efetivamente produziu os resultados que pretendia alcançar e afetou a característica da realidade que queria transformar”. Portanto, se o processo for levado em conta com mais atenção, os indicadores de resultados, definidos antes de o projeto ser implantado, serão ampliados.
Quando os financiadores de projetos sociais se apropriarem da visão de que o processo é resultado, certamente haverá muito mais percepção de retorno durante a execução dos projetos. Será possível, também, detectar precocemente que seu investimento não está dando resultados, a tempo de mudar o processo para se obter o impacto esperado em prol do desenvolvimento social.
*Célia R. Belizia Schlithler é assistente social formada pela PUC-SP, com formação e aperfeiçoamento em Coordenação de Grupos Operativos pelo Instituto Pichon-Rivière de São Paulo. De 1998 a 2003, atuou em projetos de formação e desenvolvimento de grupos e redes sociais como consultora de organizações tais como Instituto C&A, GIFE (PTG), Unicef e IDIS.
Desenvolveu também projetos específicos para entidades sociais, como cursos e seminários de capacitação para trabalho em grupo, e assessoria para coordenadores de equipes.
Em 2004, assumiu a coordenação da área de Investimento Social Comunitário do IDIS, organização que empreende projetos de desenvolvimento comunitário e presta consultoria a empresas, onde permaneceu até setembro de 2008, na função de Diretora de Desenvolvimento Comunitário.
Desde outubro de 2008, voltou a atuar como consultora em desenvolvimento de grupos, redes e comunidades para OSCs, institutos, fundações e empresas. É autora do livro Redes de Desenvolvimento Comunitário – Iniciativas para Transformação Social, da Coleção IDIS de Investimento Social.