Cada vez mais, o investimento social privado deixa de ser apenas uma opção nas grandes empresas e passa a ser necessidade. Os consumidores, sobretudo os mais jovens, esperam que as companhias se engajem em iniciativas que realmente resultem em melhorias socioeconômicas, aponta uma pesquisa da consultoria inglesa Trendwatching. Em um relatório sobre as dez principais tendências de consumo para 2015, a empresa colocou o “branded government” entre elas.
“Atuar nessa área é agir quase como governo, perceber onde o poder público não está atuando e fazer parcerias para ajudar as pessoas”, diz a pesquisadora da Trendwatching no Brasil, Rebeca de Moraes. Mas tais mudanças, frisa o estudo, têm de ser palpáveis.
O estudo menciona dados de um levantamento do MSLGroup – que trabalha com relações públicas – segundo os quais 73% das pessoas nascidas entre 1980 e 2000 (geração chamada de millennials) “não acreditam que o governo consiga resolver sozinho todos os problemas, e 83% deles querem que as empresas se envolvam mais”.
A expectativa de que o setor privado participe mais de questões socioeconômicas de certa forma reflete o fato de que as companhias e as organizações da sociedade civil são mais bem vistas que os governos em pesquisas que captam credibilidade da população. Por exemplo: no Trust Barometer de 2014, índice global da consultoria de relações públicas Edelman Significa, as ONGs ficaram em primeiro lugar, seguidas das empresas e da mídia. O setor público ficou em quarto e último.
No Brasil, segundo a mesma pesquisa, as empresas gozam de ainda mais confiança (primeiro lugar), à frente da mídia e das organizações da sociedade civil. O governo, novamente, está em último. “Esses dados dão espaço para os negócios agirem”, comenta Rebeca.
A atuação social do setor privado, porém, não precisa estar ligada a grandes temas. Mais interessante é detectar problemas atuais que estão impactando a vida das pessoas. “As marcas devem ler jornais para entender quais questões afetam diretamente a sociedade”, continua Rebeca.
Assim, ela ressalta, a ação social não fica restrita apenas aos grandes grupos: “É preciso trabalhar coisas mais visíveis e propor ações pequenas. Não precisa ser a Coca-Cola e ter um departamento enorme: as marcas menores também podem fazer iniciativas localizadas impactantes”.
E impacto é fundamental nesse caso. O público percebe quando um projeto é só publicidade, avalia a pesquisadora. “Se as pessoas veem que o trabalho é apenas marketing e que não causa impacto nenhum na sociedade, as empresas serão malvistas e mal faladas”, diz. A percepção tende a ser mais ou menos esta, como resume o texto da Trendwatching: “Se parece um golpe de relações públicas, é provável que seja mesmo”.
Isso não significa que a empresa não possa se beneficiar de sua ação. O relatório cita um caso da montadora Volvo, que fez parceria com a agência nacional de transportes da Suécia para criar estruturas de abastecimento de veículos elétricos. O projeto inclui um sistema sem fio que alimenta baterias da frota de ônibus elétricos da cidade de Gotemburgo, no sudoeste do país. “A empresa ganha, claro, mas não era prioridade do governo criar o sistema. As pessoas veem com olhos positivos a iniciativa da fabricante”, aponta Rebeca. O estudo faz referência também a um projeto do aplicativo Waze, que fechou acordo de compartilhamento de dados de tráfego com prefeituras para ajudar a melhorar as condições de trânsito.
Falar sobre questões mais imediatas e cotidianas, no entanto, exige ousadia. A pesquisadora da Trendwatching lembra, por exemplo, que os “rolezinhos” de jovens em shoppings de alguns municípios brasileiros, no ano passado, tinham por trás uma identificação forte com marcas de roupas e calçados. Ainda assim, várias delas não tiveram coragem de falar sobre o tema, conforme reportagens registraram na época.
“É muito difícil ver marcas que se pronunciem sobre questões polêmicas: elas têm medo de afastar seus consumidores. Mas há problemas que simplesmente não podem ser ignorados e que devem, na verdade, até mesmo ser abraçados”, defende Rebeca, mencionando as crises de abastecimento de água e energia elétrica e a corrupção.